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É um mundo capitalista: nenhum país do mundo respeita os direitos laborais

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As condições para os trabalhadores continuam a piorar. O direito à greve ou a aderir a um sindicato é negado por um número crescente de governos em todo o mundo. O relatório do Índice Global de Direitos de 2023, publicado pola Confederação Sindical Internacional, é de leitura sombria, como tem sido consistentemente assim durante a década em que a ITUC publicou os seus relatórios anuais.

Mais uma vez, não há nenhum país na Terra que proteja plenamente os direitos dos trabalhadores, informa o relatório do Índice Global de Direitos. Não há nada de novo aqui, já que este era o caso no relatório de 2022 e em todos os relatórios anteriores. O neoliberalismo não tem um rosto humano. O relatório começa com um resumo preocupante: “As fundações e os pilares da democracia estão a ser atacados”:

“Tanto nos países de rendimento elevado como nos de rendimento baixo, à medida que os trabalhadores sentiram toda a força de uma crise de custo de vida, os governos reprimiram os seus direitos de negociar coletivamente aumentos salariais e de fazer greve contra a indiferença dos empregadores e dos governos em relação aos impactos da inflação em espiral sobre os trabalhadores. De Eswatini a Myanmar, do Peru a França, do Irão à Coreia, as reivindicações dos trabalhadores para que os seus direitos laborais sejam respeitados têm sido ignoradas e a sua dissidência tem sido alvo de respostas cada vez mais brutais por parte das forças do Estado.”

Viver no Norte Global não nos isenta de repressão. O relatório, ao constatar que 87% dos países do mundo violam o direito à greve, refere que a Bélgica, o Canadá e a Espanha estão entre os países em que os trabalhadores foram alvo de processos penais e despedimentos na sequência de uma decisão de greve. Na Coreia do Sul, a Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering intentou uma ação judicial contra os dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos da Coreia por alegados prejuízos financeiros sofridos devido a uma greve, exigindo 47 mil milhões de won (35,3 milhões de dólares).

Quase o mesmo número de países – 79% – violou o direito à negociação colectiva, com os trabalhadores dos Países Baixos, da Macedónia do Norte, do Montenegro e da Sérvia a declararem que os direitos de negociação colectiva foram severamente reduzidos. Quase três quartos dos países – 73% – impediram o registo de sindicatos através de legislação governamental, incluindo o Canadá. Em termos gerais, a CSI afirmou que “nos últimos 10 anos, registou-se um aumento consistente da violação dos direitos dos trabalhadores em todas as regiões. … A linha que separa as autocracias das democracias está a esbater-se e os trabalhadores estão na linha da frente, à medida que os governos e as empresas tentam obscurecê-la ainda mais”. Embora a CSI não mencione o capitalismo no seu relatório, esta tendência, que é moito mais antiga do que a última década em que a confederação publicou os seus relatórios, é sintomática da atual guerra de classes unilateral travada polos industriais e financeiros contra os trabalhadores. Há que ter sempre presente que os lucros resultam da diferença entre o valor daquilo que produzimos, quer se trate de bens tangíveis ou de serviços, e o valor de troca desses bens ou serviços.

Não é de admirar, portanto, que alguns dos piores governos em matéria de defesa dos direitos dos trabalhadores sejam os gendarmes do sistema capitalista mundial. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estão entre os países com pior classificação, apesar das críticas que esses governos gostam de fazer aos outros países. O governo britânico, por exemplo, “apresentou ao parlamento, em janeiro de 2023, uma nova legislação primária que impõe a imposição unilateral de Níveis Mínimos de Serviço aos trabalhadores dos caminhos-de-ferro, das ambulâncias e dos bombeiros”, com disposições para que essas leis sejam alargadas a várias outras categorias profissionais. Este projeto de lei entrou em vigor em julho. Do outro lado do Atlântico, o Presidente dos EUA, Joe Biden, apesar das suas afirmações de ser “o presidente mais pró-sindical”, impôs um contrato aos trabalhadores dos caminhos-de-ferro, cuja maioria tinha votado contra a aceitação, que os deixou sem dias de baixa e com outras condições de trabalho difíceis.

O Índice Global de Direitos classifica os países do mundo de 1 a 5, sendo 1 a melhor categoria, denotando “violações esporádicas de direitos”, definidas como “violações contra os trabalhadores não estão ausentes, mas não ocorrem numa base regular”. Apenas nove países receberam uma classificação de 1 – os mesmos nove que em 2022. Esses nove países são a Áustria, a Dinamarca, a Finlândia, a Alemanha, a Islândia, a Irlanda, a Itália, a Noruega e a Suécia. (Estes países estão a verde nos mapas do relatório).

Os países com classificação 2 são os que registam “violações repetidas dos direitos”, definidas como “certos direitos têm sido objeto de ataques repetidos por parte dos governos e/ou das empresas e têm prejudicado a luta por melhores condições de trabalho”. Os países com esta classificação incluem a República Checa, a França, o Japão, os Países Baixos, a Nova Zelândia, a Espanha, a Suíça e o Uruguai. (Estes países aparecem a amarelo nos mapas do relatório).

Os países com classificação 3 são os que apresentam “violações regulares dos direitos”, definidos como aqueles em que “os governos e/ou as empresas interferem regularmente nos direitos colectivos dos trabalhadores ou não garantem plenamente aspectos importantes desses direitos” devido a deficiências jurídicas “que tornam possíveis violações frequentes”. Os países com esta classificação incluem a Argentina, a Austrália, a Bélgica, o Canadá, o México e a África do Sul. (Estes países estão a laranja claro nos mapas do relatório).

Os países com a classificação 4 são os que apresentam “violações sistemáticas dos direitos”, definidas como aqueles em que “o governo e/ou as empresas estão empenhados em esforços sérios para esmagar a voz colectiva dos trabalhadores, colocando os direitos fundamentais sob ameaça”. Os países com esta classificação incluem a Grã-Bretanha, a Grécia, o Peru, os Estados Unidos e o Vietname. (Estes países estão a laranja escuro nos mapas do relatório).

Os países com a classificação 5 são os que “não têm garantias de direitos”, definidos como “os trabalhadores não têm efetivamente acesso a estes direitos [consagrados na legislação] e estão, portanto, expostos a regimes autocráticos e a práticas laborais injustas”. Os países com esta classificação incluem o Brasil, a China, a Colômbia, o Equador, a Índia, as Filipinas, a Coreia do Sul e a Turquia. (Além disso, há países com uma classificação de 5+, ou seja, aqueles em que “não há garantia de direitos devido à rutura do Estado de direito”. Afeganistão, Myanmar, Síria e Iémen estão entre os 10 países listados nesta categoria e são coloridos a vermelho escuro.

O facto de as condições dos trabalhadores – que, afinal, constituem a esmagadora maioria da população mundial – continuarem a deteriorar-se é coerente com outras tendências económicas. Desde o colapso económico de 2008, foram distribuídos cerca de 20 biliões de dólares (18,7 biliões de euros) apenas para apoiar os mercados financeiros. Cinco dos maiores bancos centrais do mundo – a Reserva Federal dos EUA, o Banco Central Europeu, o Banco do Japão, o Banco de Inglaterra e o Banco do Canadá – distribuíram cerca de 10 biliões de dólares para sustentar artificialmente os mercados financeiros nos primeiros dois anos da pandemia de Covid-19, para além dos 9,36 biliões de dólares que foram gastos para sustentar os mercados financeiros nos anos que se seguiram ao colapso económico mundial de 2008.

Poderíamos citar a ganância corporativa que manteve viva a pandemia de Covid-19, sendo essa ganância facilitada pola maioria dos governos do mundo que não deram prioridade aos cuidados de saúde em detrimento do dinheiro, como exemplificado polo fracasso contínuo em disponibilizar vacinas ao Sul Global. A União Europeia, com a sua recusa obstinada em renunciar a qualquer regra de propriedade intelectual por causa da fidelidade aos fabricantes de vacinas contra a Covid-19, tem sido o maior obstáculo. A manutenção dos direitos de propriedade intelectual foi considerada mais importante do que a vida humana. Poderíamos também citar as chamadas “parcerias público-privadas”, em que os governos vendem infra-estruturas públicas abaixo do custo a empresas, que depois aumentam os custos, reduzem os serviços e eliminam postos de trabalho na busca de lucros extorsivos.

A natureza unilateral da luta de classes é ainda ilustrada pola “solução” do Banco Mundial para a deterioração dos salários e das condições de trabalho: apolar a uma maior redução das normas laborais porque os regulamentos actuais são “excessivos”. Por outras palavras, é trabalhar até cair! E espera-se que trabalhe mais horas até cair, uma vez que os regulamentos sobre horários de trabalho excessivos são frequentemente violados; como resultado, os trabalhadores são forçados a trabalhar mais horas, quer por medo de perderem o emprego se recusarem, quer para sobreviverem, porque os salários ficam constantemente aquém da inflação e do custo de vida. E o custo de vida está especialmente sujeito a aumentos porque o custo da habitação está a disparar, subindo moito mais depressa do que a inflação e os salários em países de todo o mundo.

Quanto tempo falta para que os trabalhadores do mundo se unam e se defendam numa guerra unilateral que dura há meio século?

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