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Opinião, Pensamento, Poesía, Política — 6 Decembro, 2020 at 10:13 a.m.

Notícia de Hölderlin (enquanto comemoramos Carvalho)

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“…poeticamente habita o homem essa terra.

Friedrich Hölderlin

Friedrich Hölderlin (1770-1843) foi o poeta mais importante do Romantismo alemão e ainda é um dos principais nomes do gênero. Beethoven, Hölderlin e Hegel nasceram no mesmo ano,  mas o mundo parece celebrar apenas, e ainda, o músico nascido em Bonn. Quando por aquí ainda é difícil para nós autoemancipar-nos para celebrar o nosso Carvalho Calero, também não comemoramos Hegel ou Hölderlin, sendo o primeiro o mais alto representante da filosofia idealista alemã e o último um poeta maior da Alemanha clássica e romântica. Talvez o reflexo dum tempo -o nosso- em que a música passou diante da filosofia e da poesia.

Em tempos de tribulações como os atuais, de profundas crises ideológicas, econômicas e morais, em que facilmente abrolha a ira do mundo, quando a faciana mais rude e torta  se apodera da vida social, o que podemos fazer? Há outra forma de disputa, provavelmente tão antiga quanto a humanidade, da qual Hölderlin  situa sua época de ouro no século de Empedocles: a poesia. 

Hölderlin nasceu na Suábia, estudou em várias instituições seculares e religiosas da região e, em 1806, foi perdendo a cabeça, passeninho.De 1788 a 1793 é bolseiro no mosteiro protestante de Tübingen, a forja de quadros do clero de Württemberg. Em cinco anos, os alunos (incluindo Hegel, Mörike) receberam uma educação filológica, filosófica e teológica abrangente. Um carpinteiro que, segundo biógrafos e historiadores, lera Kant !,  acolheu-no na sua casa de Tübingen, o lugar onde Hölderlin estudara quando moço, no também sobranceiro Stift, na companhia não só de Hegel, mas também de Schelling, que era cinco anos mais novo e com quem ainda se disputa a inspiração do hegeliano  “O mais velho programa do idealismo alemão” (1796-1797).Um programa para a agitação que pedia uma nova mitologia para mediar entre o estado presente e o futuro imaginado, antecipando assim as idéias de fracasso e desencanto. Os três traçam perfeitamente o período da literatura alemã que debruça entre o classicismo – tão valorizado por Goethe – após sua viagem à Itália – e o romantismo e que Lukács considera “testemunharam com alegria extática nos grandes dias da libertação revolucionária da França”. Assim, segundo Lukács, Hegel acomoda a época pós-termidoriana e com o fim do período revolucionário de desenvolvimento burguês, e constrói sua filosofia justamente na compreensão da nova virada da história mundial, enquanto o poeta “permanece fiel ao antigo ideal revolucionário. de renovar a democracia a partir da polis e é quebrada por uma realidade  que não há lugar para suas idéias, mas o mesmo plano não dá poesia e pensamento”.

Viveu metade de sua vida numa pequena sala pentagonal, na torre anexa à casa obradoiro do carpinteiro. Goethe desprezou Hölderlin porque não gostava da afetação que percebeu no romance Hiperião ou em O Eremita na Grécia. Nunca os conflitos emocionais expressos por um poeta burguês foram menos exclusivamente emocionais, menos exclusivamente privados e pessoais, tão diretamente públicos. Ao “romance educacional” de Goethe, que ensina a adaptação à realidade capitalista, ele opõe um “romance educacional” que ensina a resistência heróica a essa realidade”, afirma Lukács.

 Porque para o filósofo marxista, o que deve ser destacado em Hölderlin é que ele continua a ser republicano “, ou seja, sua maior acentuação de “Atenas como modelo em oposição às inflexíveis virtudes espartanas e romanas dois jacobinos franceses”. E assim ele faz Empédocles afirmar: “Esta não é mais a era dos reis”, invocando a ideia duma renovação radicalmente revolucionária da humanidade. E o ideal social como nova mitologia do Hiperião: “Todos por cada um e cada um por todos!”.Sem dúvida, um tempo de expectativas emancipatórias surpreendentes, exaltantes e ilimitadas na jeira Kantiana que os românticos, agora de braço dado de Fichte, ousaram atravessar por não aceitarem as inexoráveis ​​limitações de conhecimento e ação, exaltados pelas novas e ilimitadas perspectivas que viram abrir no rastro da Revolução Francesa, procurando uma totalidade harmoniosa duma humanidade emancipada que, no quadro dum discurso nididamente revolucionário, postulava uma síntese dos domínios da “verdade” e do “bem” que o pensamento iluminista não conseguiu unir e que Kant deixou em estrita separação.Mas isso só pode ser compreendido em todo o seu alcance quando for compreendido o contexto histórico dum ancien régime europeu que postergou o grosso da população humilde em várias dependências do poder patriarcal. Livrar-se da tutela parental é “irmanar” (tornar semelhante; emparelhar, igualar, unir) seguindo aqui o muito bem sucedido itinerário republicano traçado por Antoni Domènech em seu monumental “El eclipse de la fraternidad”, ou seja, libertar-se da subdivisão senhorial de quem compartilha o destino sob tutela e dominação patriarcal, incluindo a experiência do amor frustado por Diótima quando o preceptor Hölderlin na casa do rico banqueiro de Frankfurt Jakob Gontard primeiro,  e em Bordéus, depois, procurava  “meios de existir”.

Der Tod des Empedokles oder Wenn dann der Erde Grün von neuem Euch erglänz,de Danièle Huillet, Jean-Marie Straub

O itinerário de Hölderlin ia, ao contrário do que Hegel e Schelling, da unificação dos opostos na esfera da beleza artística à consciência desesperada da impossibilidade de sua reconciliação. A fértil proposta de Hölderlin reside justamente na consciência corajosa de enfrentar a intransponibilidade dum projeto tão utópico, uma vez que ele nunca observou uma espécie de paraíso no modelo grego.Pelo contrário, a bela Hélade foi apresentada a ele como um objetivo intransponível de confronto duma cisão original entre sujeito e objeto, entre o julgamento racional e a matéria sem forma, entre a reflexão e a vida. Por isso, o que ele buscava no espírito da modernidade estética era justamente a resolução necessária, não para resolver aquela cisão incontornável e constitutiva do humano, mas para reconhecê-la e apropriar-se da experiência que lhe corresponde.

Quase nenhum outro autor foi e ainda está exposto a ideologizações e mal-entendidos tão extremos como Hölderlin. Acima de tudo, os nacional-socialistas instrumentalizaram sua maneira de dizer para seus propósitos. Isso pode ser exemplificado por seu poema “Der Tod fürs Vaterland”. Depois dum tempo em que Heine passou diante dele por ser um poeta mais popular e mais “fácil” e por sempre ter gostado mais da gente de esquerda do que o enternecido Hölderlin, passou a ser considerado o poeta maior, que agora sabemos, entre outras coisas, graças aos comentários filologicamente desviantes do esteticismo aristocratizador que Heidegger fez nos anos 30 ao conceder-lhe o título de “poeta do poeta”. Parece que tudo o que precisa ser dito sobre Heidegger e Hõlderlin, se não muito, já foi dito. Fiquemos com seu mérito de ter reconhecido na obra do romântico o poderoso entrelaçamento do filosófico e do poético em prol duma promissora renovação política e cultural. A falta de pensamento ocidental (o que chamamos de razão) tem se mostrado no desequilíbrio entre o poder executivo do técnico e sua resposta insuficiente a tudo o que não é previsível.

“Da inteligência pura nenhuma filosofia surgiu, uma vez que a filosofia é mais do que apenas o conhecimento limitado do que existe”
“Da pura razão nenhuma filosofia surgiu, pois a filosofia é mais do que a existência de um progresso que nunca é muito decisivo na arte de unir e diferenciar uma determinada substância”  (Hiperion)

A inteligência pura já é o resultado duma renúncia que reduz a filosofia a “conhecimento limitado do que existe”. O poeta tenta traçar um caminho para o vazio em que o excluído se assume, mas não no conceito ou no quadro da inteligência e da razão que, sem deixar de lado sua participação e império inevitável, mostra também sua falta constitutiva. Se acreditamos no programa poético de Shelley, o outro romántico que achava que por muito conhecimento, por muitas teorias sociais e políticas, se não há poesia, se não há imaginação, nada é suficiente, Hölderlin  participa dos autores que revolucionaram  o pensamento, quer dizer,  quando são necessariamente poetas. É indiscutível que a poesia de Hölderlin teve grande influência nos poetas modernos. O pròprio vieiro poético e a situação existencial de Hölderlin fizeram dele uma figura de identificação para muitos poetas contemporâneos, principalmente para Georg Trakl e Paul Celan. Apesar da imensa dificuldade de seus textos, tem sido traduzido com frequência e em vários idiomas. Na Galiza, embora tenha sido uma fonte de inspiração para Cunqueiro (que traduciu alguns poemas*, segundo Kabatek, desde a versão francesa de Jouve-Klossowski), Blanco Freijeiro e Celso Emilio Ferreiro, e embora seus Hinos, Elegias ou  Hiperião  ainda não tinham editados em galego na Galiza quando a segunda década deste século terminou, continua sendo um estranho. Prestes a terminar o primeiro ano da pandemia, uma oportunidade para falarmos sobre isso e lê-lo, se ainda é possível escrever poesia  e  perguntar-nos, tal como pergunta Hölderlin em sua elegia Pão e Vinho , “para quê poetas em tempo indigente?”E poderíamos acrescentar, e para quê pensadores?.

 

*Lukács, G. Goethe and His Age Merlin Press 1968; Disponível en:https://rtraba.files.wordpress.com/2017/12/georg-lukacc81cs-goethe-and-his-age.pdf

**Publicados em La Noche. Suplemento del sábado,nº 5, 1949.

 

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