A quem se dirige esta juíza quando fala da “Galiza profunda”? O que essa frase nos diz? O cenário do absurdo não é patrimônio de Isabel D. Ayuso. A sentença da juiza transmite a ideia preconceituosa de que as crianças só podem ser felizes e cuidadas num determinado tipo de cidade e numa geografia urbana onde o galego não se fala nem se respira, é dizer, em oposição a lugares “rurais” onde as cousas continuam a ser feitas com as mãos e as crianças ainda brincam na rua e talvez ouvem e rosmem palavras da tribo dos que “vivem no atraso”.
Quando o objeto do preconceito é teimoso e persiste em ser, o estigma é aplicado como punição: considerado criminoso. Moita foda tem de ser preparar os exames de juiza e ter na cabeça:”por que estudar a fundo algo que não vou usar?” Deve ser triste não ter necessidade de saber cousas, mesmo estranhas ou não naturais para si, como uma raiz cúbica ou como pensam e falam os outros, a estranheza…Resultado: justiça instrumental nas mãos de juízes extrativistas (não temos certeza se é besteira ou idiotice), de quem não assume e tem cuidado de transitar a virtuosa circularidade hermenêutica para debulhar talvez o que significa julgar, para além de emitir sentenças que, podendo até ser justas segundo a lei, acabam caindo no prejuízo infamante.
Para o caso, não importa que se trate de uma sentença perdida num tribunal unipessoal, mas que determinadas categorias e interpretações preconceituosas continuem disponíveis e usadas numa sentença.Talvez porque é o prejuizo quem melhor nos define.
Aqui não se questiona quem deva ter a custódia, mas sim o uso de estereótipos (categorizado aqui como desprezo polo mundo rural) como argumento jurídico, que costumam ser os mecanismos que estão por trás da discriminação. Se como argumenta a sentença, a guarda não foi retirada da mãe por ela residir em determinado local mas por outros motivos, que raciocínio jurídico justifica caracterizar negativamente a procedência dela? Essencializa a identidade e contribui à discriminação quando categorizados em oposição binária negativa (profundo/banal, progresso/ atrasso, castelhano/galego, urbano/rural, e assim por diante) à população maioritária do Estado. Os estereótipos de identidade de origem -entre outros,com base no gênero, língua, origem,etc- são a causa e a manifestação de desvantagem estrutural e discriminação contra certos grupos de pessoas não dominantes.Por iso é inapropriado, falacioso e absurdo.