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Um caso de genocídio | A África do Sul pediu à Corte Internacional de Justiça que declare que Israel é culpado de “atos genocidas” em Gaza

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Após uns dias do  início do bombardeio israelense a Gaza em 7 de outubro de 2023, o estudioso do genocídio e do Holocausto Raz Segal publicou um artigo intitulado “Um caso de genocídio”. Ele destacou que os três primeiros dos cinco atos, qualquer um dos quais constitui genocídio, estavam sendo realizados em Gaza. Segal observou que, em contraste com moitos outros casos, os líderes israelenses tornaram perfeitamente explícita sua intenção de destruir os palestinos.Exemplos históricos de outros genocídios mostram que o deslocamento forçado tem escalado regularmente para assassinatos sistemáticos em massa  e genocídio

Segal citou como prova a declaração do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant: “Estamos a impor um cerco total a Gaza. Sem eletricidade, sem comida, sem água, sem combustível. Está tudo fechado. Estamos a combater os animais humanos e vamos agir em conformidade”. Há inúmeros outros exemplos de tais declarações sendo feitas por funcionários do governo israelense.O presidente israelense Isaac Herzog atribuiu culpa coletiva ao povo palestino polas ações do Hamas.

Galit Distel-Atbaryan, membro do Knesset, do partido governista Likud,pediu ao governo que “apague Gaza da face da Terra”:Deixe os monstros de Gaza correrem para a fronteira sul e fugirem para o Egito, ou morrerem. E que morram mal. Gaza deveria ser varrida do mapa, e fogo e enxofre sobre as cabeças dos nazistas na Judeia e Samaria. Ira judaica para sacudir a terra em todo o mundo. Precisamos dum IDF cruel e vingativo aqui. Qualquer coisa a menos é imoral.”

O primeiro-ministro do Likud, Benjamin Netanyahu, invocou uma passagem notória das escrituras: “Deve-se lembrar do que Amalek fez , diz nossa Bíblia Sagrada. E nós lembramos: “Agora vai, ataque os amalequitas e destrua totalmente todo o que lhes pertence. Não os poupe; mataram homens e mulheres, crianças e bebês, gado e ovelhas, camelos e burros.”

O major-general Giora Eiland, ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, apresentou a disseminação de doenças em Gaza como arma de guerra num artigo para o jornal Yedioth Ahronoth: “A comunidade internacional estanos alertando contra um grave desastre humanitário e graves epidemias. Não podemos fugir a isso. Afinal, epidemias severas no sul de Gaza aproximarão a vitória.” (“The international community is warning us against a severe humanitarian disaster and severe epidemics. We must not shy away from this. After all, severe epidemics in the south of Gaza will bring victory closer,” 

Todas essas declarações combinadas com o assassinato em massade palestinos, quase metade deles crianças, revelam que os supostos objetivos de erradicar o Hamas e resgatar reféns são ficções convenientes para enganar israelenses ingênuos e a comunidade internacional.

Fotografia após um bombardeamento israelita em Jabalia, na Faixa de Gaza. Fadi Wael Alwhidi

O cínico governo Biden juntou-se a governos de todo o mundo para marcar o setenta e quinto aniversário da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, adotada pola Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1948. Ao mesmo tempo, funcionários do governo dos EU tentavam defender-se duma ação legal que os acusava de cumplicidade com o “genocídio em desenvolvimento” de palestinos na Faixa de Gaza. Agora, o governo sul-africano entrou com um processo na Corte Internacional de Justiça, invocando a Convenção sobre Genocídio e acusando Israel de “atos genocidas”.

Alguns comentaristasdesdenharamda ideia de que a guerra de Israel em Gaza deveria ser considerada genocida como um absurdo. Mas especialistas acadêmicos apresentaram a questão sob uma luz moi diferentee insistiram na necessidade dum debate urgente e moralmente sério. A atitude de desdém em relação à acusação de genocídio denuncia duas formas de ignorância. A primeira diz respeito à definição de genocídio na própria convenção. Embora essa definição tenha sido moi influenciada polos crimes do nazismo, sua compreensão de genocídio também se aplica a um conjunto mais amplo de casos.

A segunda forma de ignorância diz respeito à natureza deliberadamente assassina da investida israelense contra o povo de Gaza e à retórica abertamente genocida que funcionários do governo usaram para justificá-la.

Praticamente nenhum progresso foi feito para aniquilar o Hamas, como mostra o crescente número de mortos de soldados israelenses; são os civis palestinianos que estão a ser aniquilados.

Por trás da Convenção do Genocídio foi Raphael Lemkin, um sobrevivente do Holocausto que perdeu quarenta e nove membros de sua família no genocídio nazista, quem cunhou o termo, redigiu a convenção e fez campanha para sua adoção.A preocupação de Lemkin com a destruição intencional dum grupo de pessoas é anterior ao Holocausto. Lemkin estudou o assassinato em massa de armênios em 1915 polos otomanos quando era um jovem estudante, e ficou indignado com o fato de que o assassinato duma pessoa – assassinato – era um crime punível, enquanto o assassinato de dezenas de milhares por um Estado ficou impune.

Na década de 1920, Lemkin estava formulando os conceitos e leis que foram articulados em seu livro mais conhecido, Axis Rule in Occupied Europe(1944). Seus manuscritos inéditos revelam que ele via o colonialismo como parte integrante duma história mundial de genocídio. Esses manuscritos cobriam uma gama extremamente ampla de casos em que as potências coloniais europeias foram responsáveis por assassinatos em massa, desde a conquista espanhola das Américas no século XVI e o massacre de povos indígenas na Austrália e Nova Zelândia até o massacre alemão dos Hereros na Namíbia algumas décadas antes. Também considerou a “aniquilação” doutros grupos étnicos, incluindo os tártaros da Crimeia. Assim, apesar da experiência pessoal de Lemkin sobre o Holocausto e da crueldade indescritível que isso implicou, não foi o único caso de genocídio em sua mente quando formulou a Convenção sobre Genocídio. O elemento comum em todos os casos foi a assunção da superioridade racial por parte dos perpetradores e a sua desumanização das vítimas.

No entanto, os objetivos dos perpetradores podem ser diferentes – desde a apropriação das terras das vítimas até a imposição de sua compreensão de “pureza racial” – e os métodos variaram amplamente. Esse amplo enfoque está refletido no texto da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Seus três primeiros artigos diziam o seguinte:

Artigo I

As Partes Contratantes confirmam que o genocídio, quer se trate dum crime cometido em tempo de paz quer em tempo de guerra, constitui um crime ao abrigo do direito internacional que se comprometem a prevenir e a punir.

Artigo II

Na presente Convenção, genocídio significa qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

a) Matar membros do grupo;

b) Causar danos corporais ou mentais graves aos membros do grupo;

c) Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, no todo ou em parte;

d) Impor medidas destinadas a prevenir os nascimentos no seio do grupo;

e) Transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Artigo III

São puníveis os seguintes actos:

a) Genocídio;

(b) Conspiração para cometer genocídio;

c) Incitação direta e pública à prática de genocídio;

(d) Tentativa de genocídio;

e) Cumplicidade no genocídio.

Qualquer um dos atos descritos no artigo II o define como genocídio.Todas as ações contam como atos de genocídio se forem cometidas com intenção genocida: invasões, prisões arbitrárias e encarceramento; demolições e expulsões de casas que causem graves danos corporais e mentais; privação de alimentos, combustível, abrigo e meios de subsistência em guetos ou campos; causar lesões ou doenças, privando as vítimas de cuidados médicos; esterilização forçada, estupro em massa ou separação de homens de mulheres; e transferência de crianças do grupo de vítimas para o dos agressores. A prova de “intenção” deve ser fornecida polas palavras ou ações dos perpetradores. Os perpetradores podem ser partes estatais ou não estatais.A Convenção foi um avanço em moitos aspectos. Antes de sua adoção, as únicas leis internacionais que cobriam crimes semelhantes estavam incorporadas no Direito Internacional Humanitário, aplicável apenas em tempos de guerra, enquanto a Convenção sobre Genocídio é aplicável em tempos de paz, bem como de guerra e pertence à categoria de direito penal internacional.

A campanha incansável de Lemkin para a convenção foi impopular entre os estados mais poderosos. Grã-Bretanha, França, Bélgica, Canadá, Estados Unidos e União Soviética trabalharam para minar uma lei rigorosa e aplicável contra o genocídio, temendo que pudesse ser usada contra eles. Foi uma coalizão de estados menores, moitos deles ex-colônias, que garantiu sua adoção.

Delegados do Paquistão e do Egito observaram que a carnificina que acompanhou a partilha da Índia e da Nakba na Palestina constituiu genocídio de acordo com o texto que estavam debatendo, enquanto os representantes indianos a apoiaram como uma lei de Gandhi. Lemkin também recebeu apoio de autores proeminentes, intelectuais públicos e diplomatas, bem como movimentos anticoloniais e grupos de mulheres. Essa tentativa das grandes potências de diluir a Convenção sobre Genocídio e restringir seu uso continua até hoje.

Os Estados têm a obrigação de prevenir o genocídio, não apenas de puni-lo depois que ele ocorreu. Traz dois novos conceitos em jogo: o que hoje se chama de “responsabilidade de comando”, a culpabilidade não só dos autores do crime, mas também daqueles que têm autoridade sobre eles; e jurisdição universal, a possibilidade de prender e julgar os perpetradores em qualquer país, não apenas em seu próprio país ou no país em que o crime foi cometido. Ambos os conceitos estão incorporados no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Os depoimentos do especialista em direito internacional William Schabas e dos historiadores John Cox, Victoria Sanford e Barry Trachtenberg nos casos de cumplicidade em genocídio contra Joe Biden, Anthony Blinken e Lloyd Austin resumem evidências que poderiam igualmente ser usadas para processar a liderança política e militar israelense por genocídio no Tribunal Penal Internacional.

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