Mikis Theodorakis, uma figura destacada da música grega que foi fundamental para aumentar a conscientização global sobre a situação da Grécia durante a ditadura militar de 1967-74, morreu na quinta-feira aos 96 anos. O compositor escreveu o que é provavelmente a peça mais conhecida da música grega, a trilha sonora de “Zorba, o Grego”, um instrumental que ainda é tocado e dançado em todo o mundo até hoje.
Juventude do maior compositor grego da era moderna
Mikis Theodorakis nasceu na ilha de Chios em 29 de julho de 1925. Mas sua característica mais relevante, a do espírito inquieto que nenhuma corrente poderia conter, talvez tenha derivado da sua descendência cretense.Para a maioria dos gregos, Theodorakis era visto como um revolucionário que falava tanto por meio de suas ações quanto de sua música. Para o resto do mundo, foi um compositor notável que também se tornou famoso pola música icônica que escreveu para os filmes “Zorba, o Grego” e“Serpico”. Ficou claro desde o início que a vida do compositor seria igualmente dedicada à música e à loita polos dereitos humanos. Theodorakis deu seu primeiro concerto em Trípoli, ao 17 anos, apresentando sua obra “Kassiani”, uma peça de música clássica que expressava o horror e a dor da ocupação nazi na Grécia.
“É com profunda emoção e aplausos incessantes que nos despedimos de Mikis Theodorakis, ativista-criador, líder e pioneiro duma nova arte de loita na música”, disse o Comitê Central do Partido Comunista Grego em comunicado na quinta-feira. A presidente Katerina Sakellaropoulou disse que Theodorakis era um grego completo e, ao mesmo tempo, um criador universal, um bem inestimável de nossa cultura musical. ”
Mikis Theodorakis produziu um número impressionante de obras musicais, abrangendo tanto a música sinfônica quanto a música folclórica predominantemente grega, da qual tirou a maior parte de sua inspiração, tornando-a famosa em todo o mundo. A sua capacidade de compor músicas que transmitem emoção e luta é talvez melhor demonstrada em sua composição “ The Ballad of Mauthausen ”. Esta música foi descrita como uma das mais belas peças musicais já escritas sobre o Holocausto. O legado que o incomparável Teodorakis deixa não é apenas o do maior compositor grego de todos os tempos, mas também o de um humanitário visionário. Começando como socialista, em seus últimos anos tentou unir todo o povo grego, independentemente de sua filiação política. Não se pode separar o ativismo político de Theodorakis de suas composições, porque uma é o reflexo da outra. Mesmo na casa dos noventa, seu espírito criativo era forte e permaneceu ativo em ambos os campos.
Mikis Theodorakis sofreu moito por seu idealismo, até mesmo suportar várias torturas, começando quando foi capturado durante a ocupação italiana. Mais tarde, foi preso e exilado por suas crenças, mesmo depois de ter alcançado aclamação como compositor. Mas, como todos os grandes criadores, ele transformou todas as suas experiências dolorosas em obras de arte comoventes. O resultado final foi que Theodorakis fez sua história pessoal parte da história musical da Grécia
Resistência Grega em 1942
Era 1942 e além de ser totalmente devotado à música, o jovem Teodorakis também se juntou à Resistência Grega, loitando contra os nazistas. O compositor tinha apenas 18 anos quando foi preso pola primeira vez, durante uma manifestação em 25 de março de 1943. As forças de ocupação italianas torturaram brutalmente o jovem. Quando Theodorakis foi libertado, mudou-se para Atenas e juntou-se à Frente de Libertação Nacional (EAM) e iniciou os seus estudos no Conservatório de Atenas. Após a ocupação alemã, a Grécia caiu no abismo de uma sangrenta guerra civil. O jovem compositor idealista começou a simpatizar com os guerrilheiros de esquerda. Foi perseguido pola polícia e acabou vivendo agochado em Atenas.
Theodorakis declarou “Nada é mais necessário e valioso para o homem do que a liberdade. Se não tem comida, se não tem educação, se não tem conforto, sofre. Se não tem liberdade, não existe. Porque então não conta como homem.“O que é liberdade? Liberdade é responsabilidade. É ser responsável. É ter a cada momento, em todos os casos, sua cota de responsabilidade no grupo e na comunidade. ”
Enviado para o campo de prisioneiros em Makronisos
Por fim, Mikis Theodorakis foi preso, torturado novamente e enviado para o exílio na ilha grega de Ikaria. Mais tarde, foi transferido para Makronisos, uma ilha erma que foi transformada num campo de prisioneiros políticos. Os prisioneiros eram conhecidos por terem sofrido torturas e tiveram que suportar condições de vida inimagináveis. Os presos chamarono de “campo de extermínio”, pois moitos deles morreram lá. Theodorakis foi libertado do campo após o fim da Guerra Civil. Mudou-se para Atenas, onde completou seus estudos no Conservatório de Atenas. A su área especial de estudo foi em “Harmonia, Contraponto e Fuga”. Estava finalmente livre para começar uma carreira musical promissora. Em 1954, munido duma saca, mudou-se para Paris, onde se matriculou no Conservatório de Paris, estudando análise musical com Olivier Messiaen e regência orquestral com Eugene Bigot. Os anos entre 1954 e 1960 foram uma época de composições musicais febris por toda a Europa.
Escreveu músicas para a bailarina Ludmila Tcherina e para o Balé de Stuttgart. Em 1957, Theodorakis recebeu o Primeiro Prêmio no Festival de Moscou de Dmitry Shostakovich por seu trabalho “Suíte No. 1 Para Piano e Orquestra”. O compositor também escreveu moitas obras de música sinfônica e música de câmara durante esses anos.
Quando a música fundiu com a política e a poesia
Depois do seu retorno à Grécia em 1960, a música de Theodorakis tornou-se política, em linha com sua ideologia esquerdista. Já tinha colocado música no poema “Epitaph” de Yiannis Ritsos e agora começou a escrever canções folclóricas, compondo dezenas de canções que ainda ecoam na mente do povo grego.Theodorakis fundou a “Pequena Orquestra Sinfônica de Atenas” e realizou moitos concertos por toda a Grécia como parte duma campanha para familiarizar os cidadãos gregos com as obras-primas da música sinfônica europeia.
Em 1964, o compositor ganhou reconhecimento mundial com a música icônica que escreveu para o filme “Zorba, o Grego” de Michael Cacoyannis. També fez música para o Canto General de Pablo Neruda em 1980.
Eleito para o Parlamento como membro do Partido da Esquerda Unida Democrática
No entanto, a política ainda estava no topo da agenda do grande compositor. Após o assassinato do esquerdista Grigoris Lambrakis, o grupo “Lambrakis Youth” foi fundado e Theodorakis foi eleito seu presidente. Ao mesmo tempo, Theodorakis foi eleito membro do Partido da Esquerda Democrática Unida (EDA) no Parlamento. 21 de abril de 1967 foi um dia negro para a Grécia e duplamente para o compositor esquerdista. Passou à clandestinidade para loitar contra a ditadura grega, mas apenas alguns meses depois, foi preso. As descrições de Theodorakis das torturas e humilhações que sofreu polas autoridades durante a ditadura são moito difíceis de ler. Theodorakis foi transferido várias vezes para outras prisões e campos de concentração especiais para dissidentes políticos.
Continuou a compor mesmo após a prisão durante o regime dos coronéis
Ainda assim,malia os terríveis acontecimentos que estava vivendo, Mikis Theodorakis nunca deixou de compor música, enviando continuamente suas composições para o exterior para que não se perdessem. As cantoras Maria Farantouri e Melina Merkouri, ambas exiladas em Paris, cantaram suas canções para contar ao mundo os terríveis acontecimentos que se desenrolavam na Grécia.
A saúde de Theodorakis começou a se deteriorar enquanto estava detido no campo de Oropos, e gregos e estrangeiros protestaram no exterior por sua libertação. Entre eles estavam o compositor Dmitry Shostakovich, o dramaturgo Arthur Miller e os atores Laurence Olivier e Yves Montand, que formaram um comitê internacional exigindo sua libertação. Sob pressão internacional, os ditadores não tiveram outra opção a não ser libertar Teodorakis, permitindo-lhe deixar o país em 13 de abril de 1970. Usaria a França como base nos próximos quatro anos, enquanto continuamente viajava polo mundo e agitava por reformas políticas e dereitos humanos.
Finalmente livre mas criticado por entrar no governo de Mitsotakis
Em 1974, após a queda da ditadura, o compositor finalmente sentiu-se livre para retornar à Grécia. Os gregos tinham fame não apenas de liberdade, mas também da música de Teodorakis, que fora proibida durante os sete anos do regime dos coronéis. Deu moitos concertos na Grécia e no exterior e foi novamente colocado em seu pedestal de direito como um dos cidadãos gregos mais importantes da história moderna. O infatigável criador ainda não parava de compor, mesmo quando estava ativamente envolvido na política grega. Foi eleito para o parlamento grego em 1981-86 e 1989-92, e serviu como Ministro de Estado de 1990-92 na administração de Constantine Mitsotakis. A decisão de Theodorakis de juntar-se ao governo de dereita foi abertamente ridicularizada pola esquerdia. No entanto, a mudança mostrou seu desejo de unir todos os gregos e apagar as diferenças políticas que causaram a guerra civil.
Theodorakis e a questão da “Macedônia”
A última vez que Theodorakis foi politicamente ativo foi depois que o governo de esquerda de Alexis Tsipras assinou um acordo com a Antiga República Iugoslava da Macedônia para permitir o uso do termo “Macedônia” polo vizinho balcânico do norte da Grécia. Em 4 de fevereiro de 2018, centenas de milhares de gregos se reuniram na Praça Syntagma em Atenas para protestar contra o uso de “Macedônia” no nome oficial da ARJM – quefoi alterado para República da Macedônia do Norte.” Defendou o nome da Macedônia, quase chorando.
O compositor recebeu o Prêmio Lenin pola Paz em 1983. Em 1986, Theodorakis, junto com intelectuais e políticos turcos, foi fundamental no estabelecimento de Comitês de Amizade Greco-Turcos na Grécia.Theodorakis foi nomeado para o Prêmio Nobel da Paz no ano 2000. Ainda assim, apesar de seu trabalho como ativista em tempo integral por moitas causas no domínio da paz e dos dereitos humanos, Theodorakis continuou compondo música sinfônica, cantatas e óperas. Mostrou rexeitamento público à guerra da OTAN em Kosovo em 1999 e à Guerra do Iraque em 2013.
