off
Galiza, Movementos sociais, Política, Politica espanhola — 20 Outubro, 2020 at 7:52 a.m.

De resistências e julgamentos políticos

by

Como no juizo ao procés catalão, não têm onde alicerzar e torcam a linguagem. A linguagem usada pela acusação e pelo juiz de instrução nas acusações é uma reminiscência do que foi usado para outros julgamentos de fasquia ideológica, nomeadamente contra independentistas e anarquistas. E um dado senlheiro a termos presente é que, neste caso, não houve morte nenhuma.

O primeiro princípio do pensamento racional é sempre perguntar por que as coisas acontecem. Mas explicá-las não significa integrá-las ou justificá-las, mas simplesmente servir para muda-las ou combate-las. O que não se pode aceitar é fazer concessões, sacrificar as liberdades, enterradas em nome da diferença e cada uma no seu beco. Esse horror é alcançado quando se afirma desde as oligarquías político judiciarias que nao há mais verdade e mais valor do que os seus. E não é verdade, há quem respeite os outros e há quem mal os respeite. E é precisamente a sociedade laica e desjudicializada o espaço para que todos se destaquem. Sem que ninguém cale, mas sabendo muito bem que nem tudo é possível quando a preponderância de uma fração leva ao abuso de lei e a sacrificar as liberdades de expressão, reunião e ideologia que são a base da democracia.

Tudo começa com uma decisão do Supremo Tribunal espanhol em 2014 afirmando que a Resistência Galega era uma organização terrorista, daí a operação Jaro I e II, que levou estes ativistas pró-independência ao banco dos réus. Esta suposta organização nunca foi reivindicada por ninguém. O nacionalismo galego acha que se trata de uma operação para inflar as acções levadas a cabo por “extremistas”, sem qualquer estrutura ou coordenação e que tudo isso serve para permitir aos serviços de inteligência espanhóis apontar um inimigo. É o mesmo padrão que Victor Klemperer descreveu nos anos trinta. E adoita manifestar-se a partir de expressões transpostas de áreas que as usam referindo-se a coisas até a reificação do ‘’outro’’. No primeiro video do juizo vemos como o fiscal teima en repetir “o coletivo de pressos de Resistência galega” entanto o enjuizado repite uma e outra vez que se calhar se refire ao “coletivo de pressos independentistas galegos” que foi fundado por pessoas que não foram acusadas de pertencerem a uma organizaçao armada e menos de Resistência Galega”. Assim por várias vezes. Em virtude da repetição, “alterando o valor e a frequência das palavras, transformando em geral bom [ou mau] …e assim conseguiu permear palavras, grupos de palavras e formas sintáticas. com seu veneno, pondo a linguagem a serviço de seu apavorante sistema”, diz Klemperer. Para conotar até sua deturpação total uma situação criminal pela linguagem, trocando feitos por palavras. E não é trivial. Porque a pretensão é enquadrar as pessoas em comunidades de conjurados (“entramado”).Outra das chaves léxicas é “resistência” que na recepção semântica do estado espanhol associa a uma questão negativa embora os “movimentos de resistència” emvolvam um esforço organizado por uma parte da população civil dum país para resistir ao governo legalmente estabelecido ou uma potência ocupante e para perturbar a ordem civil e estabilidade e mesmo procure atingir seus objetivos por meio do uso de resistência não violenta (às vezes chamada de resistência civil). Mais uma chave léxica é “violência”: -Defensa: “Y en esas conferencias, se habla de apoyar algún tipo de violencia?. No le estoy hablando de hechos de hace treinta años” – Resposta: “Una acción concreta, futurible. No”. E acrescenta: “Los comunicados y mensajes que se lanzan por redes están centrados y dedicados a la memoria y homenaje de estos dos en concreto [ ] y se hace extensivo a otros componentes que han podido participar como Martinho o el anterior el Moncho Reboiras”. – Defensa:”Usted sabe que Moncho Reboiras está considerado víctima del franquismo?”

O que foi incorporado e continua a ser alimentado e inoculado é apenas a sua absorção semàntica ao uso da força (mas não á desarmada e não violenta) até a sua total assimilação isomórfica. A sentença já foi tomada. E isso, porque aquém da pena legal, ja houve sentença que tem punido previamente os independentistas, durante a longa fase de instrução. Porque se trata de satisfazer o estado profundo que moveu a máquina vingativa, envolvendo anos de prisão e desqualificação com toda a arbitrariedade, vontade de humilhação e fraqueza jurídica que contem.

Esta é uma democracia comparável à turca. E há muito progressismo que dá vontade. Por isso, não parece surpreendente que a instrução apenas se soerga no único depoimento de ‘guardias civiles’, agentes espanhóis de inteligência e peritos policiais. Entre as atividades criminosas observadas pelo ministério público, na sequência de um relatório da guarda civil, estava a celebração dos Mártires de Carral, que comemora a execução de doze soldados galegos em 1846, após a revolta contra o presidente Ramón María Narváez. Entre as provas apresentadas na Audiêncial encontram-se atos e expressões que as defesas alegam fazer parte da liberdade de expressão, manifestação, associação, reunião e até mesmo participação política e pluralismo. Aqui está um teste da Guarda Civil contra os ativistas de Ceivar: “Participação ativa em eventos relacionados com a independência galega e a comemoração de vários aniversários da esfera nacionalista radical como o Dia da Galiza, o Dia da Pátria Galega ou o Dia Internacional dos Prisioneiros Políticos.”

Portanto, dependendo da perspectiva do governo de um estado, um movimento de resistência pode ou não ser rotulado como um grupo terrorista com base no feito de os membros de um movimento de resistência serem considerados antagonistas legais ou ilegais e se eles são reconhecidos como tendo o direito de resistir à ocupação. Em última análise, a distinção é um julgamento político. Um remanescente da era fascista que o essencialismo unitário do espanhol percebe como uma ameaça sem parar o burro, mesmo que isso signifique um ataque aos direitos fundamentais de reunião, manifestação e liberdade ideológica. Não é pouca coisa que sempre acabemos tendo a percepção de que esses julgamentos são feitos regularmente contra um conflito de identidade e não contra feitos que poderiam ser punidos criminalmente. E mesmo que se saiba que o código penal não pode ser aplicado para reprimir dissidentes, fica o abuso balorento o tipo criminoso de “pertença a banda armada” para buscar punições políticas no que é simples solidariedade mesmo que por afinidade ideológica. Pois não é por acaso que ocorreu quando o nacionalismo galego dominante concentrou o voto voltando ao Congresso e continua a ser bem valorizado. Talvez esse anovado processo de subjetivação política que trouxe mais uma vez à tona os antagonismos tenha reativado, por um lado, o sentimento latente de ameaça que alimenta o Estado e, por outro, tenha mostrado as posições de subordinação e o potencial surgimento de demandas que do ponto de vista da invenção apática “de lo gallego” (plebs) só pode ser apercebido como a urgência dum subjectum político (populus) capaz de questionar o instituído para abrir espaços de produção de sentido e conformação de demandas e ação coletiva, reconfiguração dos modos de representação política e desagregação institucional. Para dizê-lo com Laclau, a restauração da urgência de reconstrução discursiva do sujeito do povo galego.

Tudo isso é munição para ir ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, mas também para continuar a denunciar em mais jurisdições europeias as violações de direitos que o sistema judicial espanhol comete em nome da unidade de Espanha e contra a minorias nacionais e sociais. Um estado em que a facção de juízes fala abertamente para intimidar ao serviço de um ou dois partidos corruptos. Para haver democracia é preciso haver democratas, o oposto é uma ficção nominalista. Quer dizer, a nossa.

Grazas por leres e colaborares no Ollaparo !

Este sitio emprega Akismet para reducir o spam. Aprende como se procesan os datos dos teus comentarios.

off