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COVID-19, Opinião, Política, Politica espanhola, Traballo — 24 Marzo, 2020 at 1:25 p.m.

Enquanto o andazo durar

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A liberdade só existe onde a inteligência e a coragem conseguem superar a fatalidade “

Roger Caillois /Victoria Ocampo

Correspondencia, París/ Buenos Aires,1956

 

Enquanto o andazo durar, entregamo-nos a uma comunicação  sem tanheiras. O confinamento  torna-nos mais solidários, talvez porque a reclusão, somada à saturação da comunicação e das hiperconexões, de repente nos fez perceber como estamos sozinhos em companhia do ego narcisista, quando os laços sociais são substituídos pelo conforto do mesmo e a voz pròpria. Tudo o que nos expõe ao outro, ao estranho  e o indesejável, tudo o que nos contamina, fora substituído por palavras mais grandes que os acontecimentos, talvez sob a influência dessa propensão a declarações grandiosas que dificilmente ocultam o que está sendo esclarecido devagarinho sob os pés:  que o surto não acontece mais em um canto remoto do planeta, que  todos esses anos aumentou o fosso entre os prfincípios declarados e a realpolitik, que quem dispõe de condições de trabalhar de casa está confortavelmente isolado, contanto que siga com prudência as diretrizes de segurança, encanto outros grupos vulneráveis, mesmo o de trabalhadores sindicalizados que gozam de uma cobertura decente, terão de fazer escolhas difíceis, optando entre renda e proteção. Enquanto isso, millhares de trabalhadores de baixa renda do setor de serviços, cuidadoras, labregos e lagregas, desempregados e sem teito estão sendo abandonados. E que o acesso a medicamentos vitais estam longe de ser um  direito humano e um bem comum universalmente disponível  porque governos e organizações sem fins lucrativos  não assumiran a responsabilidade por sua fabricação e distribuição quando as empresas farmacêuticas não encontraram lucro suficiente.

Da pandemia imos sair com uma democracia mais fraca ou mais forte? Acho que a justicia social, a democracia e  liberdade de expressão não entendem de excecionalidades. Tal é a sua fragilidade, por isso precissam não ser desleixadas. Ouvimos a Pedro Sánchez  dizer que o vírus não faz distinção entre territórios, ideologias ou classes sociais.Quando Sánchez afirma isso refere que o virus transpõe as fronteiras, completamente alheio à própria ideia de território nacional. A que o virus não discrimina porque nos trata com igualdade perante o risco da doença ou da perda. O virus delimitaria o precàrio da nosa condição humana porque expôs instantaneamente a marcada divisão de classes no atendimento de saúde. Mas nao é supresa nenhuma que nem a exposição ao contágio, nem a gravidade do confinamento, nem mesmo o risco e a incerteza econômica e trabalhista são iguais para todos. Qualquer doença (mais ainda se for uma pandemia que já atinge paises pobres) distingue entre classes e territorios,  sendo a distribuição de riscos tão profundamente desigual que já não é preciso imagirnarmos desenrolando-se violentamente além nas fronteiras da União Europea. Mesmo é possível que o impacto do surto tenha um impacto sobre grupos de idade mais jovens radicamente diferente em paises pobres e em zonas de alta pobreza ( (já a gripe espanhola de 1918 teve uma maior incidència onde havia escassezes alimentares s subnutrição). O pano de fundo de desigualdade  garantirá a discriminação do vírus. O vírus por si só não discrimina, mas nós humanos certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados com o autoritarismo de estado, a xenofobia e o capitalismo sem límites e a  sua propensão a esquecer a magnitude geográfica do andazo em questão, por mais que tenha sido declarada uma pandemia.

Brilat en Pontevedra. Foto. Diego Torrado. Pontevedra Viva.Creative Commons recoñecemento-non comercial-compartir igual (by-nc-sa)

Enquanto o andazo durar, a repetição teimuda de gíria belicista pode gerar uma sensação de mais “incerteza” ou “perigo” na população, especialmente quando começam a ser regulares discursos militares grandiloqüentes. Significativa estratégia de comunicação a do governo espanhol (o que contrasta com o do primeiro ministro canadense) tendo como um dos seus principais rostos ao chefe do Estado-Maior da Defesa, Miguel Ángel Villarroya, a afirmar na sexta-feira que “nesta guerra irregular e estranha, somos todos soldados” e ainda ontem, em sua primeira aparição semanal, espetando: “Hoy la Guardia Real se ha incorporado a las tareas del Estado de Alarma[…]poniendo de manifiesto que su Majestad el Rey es el primer soldado de España».Alguns de nós teriam gostado mais de ouvir falar de cidadania, solidariedade, responsabilidade, fraternidade e ciência, mas é claro que alguns de nós não prestamos serviço militar. Sin novedad en el frente.

Se a doença distingue entre classes no reparto de riscos, também é profundamente desigual a distribuição de vítimas em uma guerra: “soldados [seremos] todos”, mas nas guerras as vítimas são principal e esmagadoramente civis. Portanto, se todos somos soldados, quem são os que enfermaran, quem são os que morrem. E se não acredita, sempre pode aderir-se ao esquadrão de pensamento único, a Fundación para el Análisis y Estudios Sociales (FAES) de José María Aznar , segundo a qual o único remédio eficaz contra a expansão do coronavírus é o destacamento do exército espanhol em todos os cantos do “território”. nacional. É verdade que em toda parte (China,Italia, França..) os uniformizados estabelecem ou montam hospitais de campanha e realizam outras tarefas logísticas. Mas no reino da Espanha, a maioria dos partidos políticos unionistas ( aqueles que se apropriaram do que a Constituição diz ou não diz), o que eles esperam e reivindicam das forças armadas não é  principalmente que desempenham um papel  logístico, mas elas traçar uma marca no território que visualize quem mais ordena aqui. Enquanto milhares de trabalhadores vivem confinados com o pânico constante de perder o emprego, o destacamento do exército  “em toda a Espanha, independentemente de territórios ou poderes”(Pedro Casado, PP) passou a realizar tarefas chocantes, como a desinfecção de algumas áreas no entorno do Complexo Hospitalario Universitario da Coruña (CHUAC), estações de ônibus e trem ou centros de saúde, algo que uma empresa civil especializada faria perfeitamente, com profissionais de limpeza e desinfecção que podem ser tão úteis quanto os sanitários  e continuar sendo remunerados e não perder assim o emprego devido a um ERTE. Porque o destacamento do exército não é apenas sanitário, mas propagandístico e sectario ao serviço do que Sanchez tinha dito ao anunciar o estado de alarme, que as autonomias não devem estar a carão mas por  trás do governo central .

Uma coisa é estreitar os “laços sociais” e promover a “solidariedade” e a “predisposição” dos cidadãos a seguir medidas como as de confinamento, e outra muito diferente, o gregarismo e servidão inscrita na noção de “soldado”. A guerra e a retórica patriótica, que é substancialmente um discurso territorializado sobre o que poder exerce a sua soberania, estão enchendo o discurso dos políticos , aquí e também no resto do mundo, mas na raiz da crise não há conflito armado, mas uma pandemia. O poder do estado e a exploração capitalista encontram formas de reproduzir e fortalecer seus poderes no interior das zonas de pandemia, quer en forma de ERTE quer no alvo de produção,a comercialização e a provisão de uma vacina eficaz contra o COVID-19.

Enquanto o andazo durar, vivemos sob uma legislação excepcional, que concede poderes especiais ao governo, que activou o exército para controlar a população civil e que recentemente centralizou o poder. Vivemos com certa normalidade a presença desnecessário dos militares nas conferências de imprensa do governo e o uso e abuso do vocabulário de guerra. Mas também é un discurso classista: a seridade do choque econômico e, acima de tudo, a distribuição da fatura que ela provocará será resultado de decisões políticas que já estão sendo tomadas desde o poder. A aplicação inevitável do bálsamo keynesiano de emergência – não sei se existe uma alternativa a uma injeção maciça de dinheiro ante a paralisação geral da atividade – nos faz imaginar sem muito esforço se o que virá depois dos resgates de emergência será um tsunami de austeridade a conta dos de sempre. Porque a  profundidade e resistência do choque econômico e, mais importante ainda, a distribuição do pagamento dos custos será o resultado de decisões políticas que já estão sendo tomadas em instâncias de poder arestora.

Enquanto o andazo durar, o risco para uma democracia é enorme já que o debate público que deveríamos estar a  fazer sobre o que está acontecendo e que cenários possamos debulhar pode-se transformar num simples cenario dicotómico de bom e ruim. A excepcionalidade  não pode e não deve servir para que o inimigo referido acabe passando do virus para outras coisas, como certos grupos sociais.  Se dissermos que temos que ir todos a uma e ao mesmo tempo e nao concorda plenamente, es o “inimigo”. É característico da soldadesca o apelo acrítico á unidade , e máis en estado de alarme. Porém, mesmo em uma crise humanitária de  saúde, eu reivindico o respeito pela pluralidade, o direito  de pensar que o poder é poder – se calhar máis em intre de excepcionalidade- e deve ser controlado. Na esteira da pandemia,  não pode isentar o criticismo a risco de se  instalar no imaginario colectivo a ideia  de que a democracia incomoda quando uma conjuntura perigosa. Porque quando ações excepcionais são implantadas com elas também um discurso excepcional é instalado para normalizar o que não é normal, correndo o risco de que a excepcionalidade se torne permanente, que o que agora está a canlear não recupere o fluxo de seu. E o pior dos riscos: que o pânico oferecer carta branca para o autoritarismo.

Diante de “infortúnios” como a atual pandemia, aumenta o sentimento de apoio ao governo e um sentimento de mais confiança no Estado. Eis o que sob o anovado abraço paternal é afortalado mesmo sem retórica: “Una nación herida que libra una guerra no convencional”, afirmou na quarta-feira o líder do PP, Pablo Casado. Não devemos desleixar essas palavras, refrendadas depois pola extrema dereita. Além da mera casuística  “Este vírus lo paramos unidos”, que Moncloa usa e nos faz pensar no “Mejores unidos” de Ciudadanos Cs para vindicar  o unionismo, mostra a matriz ideológica da direita espanhola compartilhada por Sánchez como se sua formulação tivesse efeitos taumatúrgicos, que em um contexto de militarização das ruas, tange o único sino da unidade patriótica. Enquanto durar,  não me tranquiliza ouvir dizer os militares #QuédateEnCasa,”nosotros trabajamos por tu seguridad”.Nem estamos em guerra nem são profissionais de saúde.

Enquanto o andazo durar, vemos como qualquer dissidência como antipatriótica começa a ser questionada. Tudo isso merece uma reflexão final. Porque, por um lado, parece lógico aceitarmos restrições temporárias sobre algumas liberdades básicas como a do deslocamento para tentar minimizarmos o custo humano da pandemia. É um acordo ou pacto asisado mas sem perdermos de perspectiva  algumas cousas que tendem a fascinar, como a capacidade chinesa de controlar efetivamente sua população, fazendo uso  intensivo  das tecnologias de vigilância e monitoramento, talvez  a parte menos interessante da abordagem chinesa, da qual aquí não estamos isentos porque o biopoder é global e militar. Não sabemos se a excepcionalidade durará semanas ou meses. Parece necessário construirmos uma cultura democrática de exceção, baseada na cooperação, na solidariedade e no primado do cuidado e no  uso democrático do conhecimento científico, mas por outra parte o medo do vírus também está  a presentar-se como medo dos outros. Se esa diferencia se tornar fenda e nos afastar os uns dos outros, o poder sairá afortalado. E os trabalhadores e as classes subordinadas em vez de unidas, mais afastadas. Seria sequer concebível insistirmos em uma preocupação mundial de saúde que deveria transcender a racionalidade de mercado ?

Talvez, afinal, enquanto o andazo durar, pode tirar proveito das horas dramáticas para redescobrir certas coisas importantes que relegamos entanto os científicos trabalham a eito para conseguir caracterizar o andazo e nos enfrentamos ao  caos numérico e a informação assustadora, especialmente na África e o Sul Asiático, que os jornalistas ocidentais que jornalistas ocidentais ignoraram completamente. Considere comprender que talvez seria possível começarmos a pensar e atribuir valor para além dos termos que o poder estatal ou financieiro nos apresenta.

Enquanto o andazo durar, ese medo nos tornará mais cooperativos e confiantes, ou mais egoístas e desconfiados? A  distância social artificialmente gerada pelo encerramento e o seu imaginario tende criar um senso kantiano de proximidade e solidariedade entre vizinhos e estranhos: agimos como achamos que todos deveriam. Mas sabemos pela historia que em situações extremas  a lógica da cooperação cede ás lógicas do egoísmo e da selvática competição por recursos escassos e dissolução de laços de solidariedade.

Enquanto durar, vamos ver a conversão de neoliberais ao intervencionismo. Nos últimos anos, vimos como gerentes do público, alcançando gerentes de hospitais públicos têm sucumbido ao gerenciamento just-in-time eo toyotismo. Ao desinvestirmos em prevenção e preparação emergencial médica  nos encontramos em uma situação em que nos faltam tanto suprimentos elementares quanto funcionários públicos de saúde e leitos de emergência. Dende o ano 2000, o número de camas per cápita diminuíu en todos os países da OCDE segundo o último informe publicado por esta organização. Em número de leitos, a Espanha fica abaixo de quase todos os seus vizinhos na União Europeia. Não é que eles não entendam que a cobertura médica constitui um “direito humano”, formalidade com a qual querem dizer que todo ser humano tem direito ao tipo de atendimento de saúde que ele precisar, mas abjuraram compreendê-la como uma obrigação social, que decorre de viver em sociedade com os outros. Houve de aparecer um novo coronavírus especialmente letal para populaçoes geriátricas, para nos decatar que teríamos que estar de acordo quanto a um mundo social e econômico no qual é radicalmente inaceitável que alguns tenham acesso a uma vacina que pode salvar suas vidas enquanto a outros é negado esse acesso com base no fato de não terem condições de pagar ou de garantir o plano de saúde capaz de paga-lo.Será capaz de abrir a nova perspectiva viral para um xeito de reimaginar o nosso mundo a fim de insistir que os materiais exigidos para a vida, incluindo o cuidado médico e sociosanitário, seriam igualmente disponíveis independentemente de quem somos ou se dispomos dos meios financeiros?

Até aqui, enquanto  o andazo durar, nada de novo para a lógica extrativista e consumista. Já vimos alguns casos anedóticos de fuga de Madrid, acúmulo de papel higiênico e roubo de equipamentos de proteção. Resta ver que lógica prevalecerá se o surto se prolongar e as condições de confinamento endurecer. O experimento poderia nos oferecer a oportunidade de deitar un herdo positivo, alén diso diverso, dependendo dos níveis pré-existentes de coesão e confiança comunitària de cada país. Depois de alguns anos de cortes na hospitalização e na capacidade de saúde comunitària movidos pela maximizaçao dos ganhos ,talvez a proposta de uma saúde pública e universal revigorou um imaginário do bem comum e da urgência da solidariedade internacional – um imaginário que agora precisa esperar para poder se realizar como uma política social e como compromisso público neste país.Porque o que percebemos no governo “rotundamente progresista” carrega lastro simétrico ao novo nacionalismo de direita.

Foi o vírus real e não o computador, como diz Byung-Chul Han, que causou a comoção. Os vírus sofrem mutação o tempo todo, ao cabo. Mas as circunstâncias em que uma mutação se torna ameaçadora e fatal dependem das ações humanas.

Enquanto  durar, talvez devêssemos ouvir mais e melhor. Com paciência. mas sen deixar de mobilizar recursos comunitàrios e políticos a fim de reivindicar um aumento massivo na produção de kits para diagnóstico, equipamentos de segurança e medicamentos vitais para serem distribuídos gratuitamente aquém e além Occidente. A escoita é hospitalaria porque não oferece resistência ao outro. Prepara e medeia a dimensão dialética da política participando da existência, medos e sofrimentos de outras pessoas, ou seja, surgindo como comunidade, transcendendo o sofrimento privatizado, tornando-o público.

One Comment

  1. Queridos amigos, pois amigos sois já que compartis, compartilhamos o mesmo pan na mesma mesa dos dias feitos a mão.
    Sigo-vos desde faz tempo. Hoje é este texto de Beceiro e faz-me-me expressar minha gratidão ante tão lúcido discurrir, sobretudo que compendia o que muitos pensamos, e proclamamos.
    Simplesmente, saludos cordiais, resistência e riso, e uma vez mais, obrigado por manter esta plataforma de vozes claras

Grazas por leres e colaborares no Ollaparo !

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