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COVID-19, Globalização, Opinião, Politica espanhola — 19 Marzo, 2020 at 10:06 p.m.

Entre a precaução e o desastre

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Aquela enxurrada apocalíptica que devastou e estragou grandes áreas da costa asiática em dezembro de 2004 matando centenas de milhares  serviu a Naomi Klein para formular a questão: um desastre ou uma feliz oportunidade de negócio? O furacão Katrina, que destruiu Nova Orleans e contorna geogràfica, deve ser considerado uma tragédia ou uma alavanca para reabastecer certas grandes empresas de construção e serviços?  O mercado de ações dobrou ou triplicou em poucas semanas. Do ponto de vista de Naomi Klein em “A Doutrina Do Choque. A Ascensão Do Capitalismo Do Desastre” em 2007 (“La doctrina del shock. El auge del capitalismo del desastre”, publicado em castelhano por Paidós)  um chisco antes da crise, essas duas perguntas não eram retóricas nem maldize nem piada macabra.

De fato, arestora poderíamos aplicar o mesmo dilema às principais medidas recentes de alcance planetário, como a crise climática (que mata mais pessoas em todo o mundo que o coronavírus, embora esse problema não gere uma onda de pânico) ou medidas de contenção que estamos a experimentar estes dias. Assim, o tsunami de dezembro de 2004 foi um evento assustador para as pessoas que o sofreram; mas essa desolação terminou felizmente para as empresas encarregadas de reconstruir as grandes áreas devastadas. .E  a maré negra do Prestige, com a sua mestura de negligência temerária, burocracia centralista e falsa actividade para que nada mude?

É a essência do “capitalismo do desastre”, como Klein o chamou há 13 anos. Infelizmente, essa dinâmica não é nova nem necessariamente relacionada apenas ao capitalismo actual já que vêm de velho. Mas é evidente que  a crise do coronavírus, movendo de leste para oeste, ven cada vez mais evidenciando a desigualdade social promovida pelo capitalismo, aínda que sempre haverá magnates que poidan fugir para seus bunkers subterrâneos ou empresas como INDITEX que, declarando 3.639 milhões em ganhos, implemente um  ERTE, com o alvo de  pagarmos 75% dos salários de seus operarios com nossos impostos, enquanto se gaba de doar máscaras.

Em Teis.Via Alexandra Fernández

Um dos melhores paradoxos no  momento é oferecido por Bill Gates querendo que a medicina socialista lute contra o coronavírus – mas disociando a luta do ideário socialista. Gates diz que precisa haver uma “mudança sistêmica maior” que exige que os governos intensifiquem com dezenas de bilhões em financiamento adicional coordenado globalmente para enfrentar o desafio de longo prazo de melhorar a nossa capacidade de responder a futuras epidêmias. Embora o próprio Gates evite a parte não dita: que  a implicação lógica de tudo isso é que esses bilhões de doses devem ser fabricadas e distribuídas por um vasto e novo serviço antipandêmico global, sem nenhuma expectativa de lucro e ao serviço de todos os seres humanos, independentemente de nacionalidade.Tudo isso está correto. Mas sem adotar os níveis de tributação europeus (que, como estamos a ver, são realmente insuficientes para cumprir as promessas existentes)  e com uma OMS subfinanciada por décadas, prejudicada e ignorada por seus próprios membros, o alvo de uma globalização diferente é mesmo inacessível.

Uma forma não regulamentada de globalização do mercado livre, com sua propensão a crises e pandemias, está a devalar e talvez a albiscar também a necessidade de outro xeito de interdependência além os estados, nomeadamente quando éstes se amosam incompetentes para desempenhar o seu dever de ritual burocrático. Por outras palavras, nas condições de mundialização actual o Estado com pulsões de burocracia centralista e arrebatos autoritarios já não é quem de governar a complexidade. A mesma China, mas não é a única nem a máis eficaz na manipulação dos seus dados.EUA  fala sem vergonha do “vírus estrangeiro ou chinés», versão oficial que procura estigmatizar o surto porque vêm da Ásia, aventando  que a origem estaría na não homologada higiene dos mercados chineses que se tornarian assim a origem da doença, agora já, do mal estrangeiro.

O “princípio de precaução”,  diz que não devemos esperar até sabermos com certeza que algo é prejudicial antes de agirmos para proteger a saúde das pessoas. De alguma forma, todos os estados ocidentais respiraram o palpite não muito embasado de Trump de que os riscos eram exagerados, confiando cegamente em sistemas de saúde desiguais, mas igualmente vulneráveis ao que é social em qualquer emergência de saúde. A Espanha tem 2 meses para se preparar para a chegada do coronavírus mas no começo do começo escasseiam materiais (não houve aparente provisionamento de máscaras, luvas e desinfetantes). A precaução seria um antídoto para o pânico. Mas como agir com precaução se a necessidade de grandes episódios de destruição ocorrerem periodicamente, quer por razões naturais ou bélicas,  quer por negligência ou estupidez humanas como o Prestige? Seremos capazes de  não  desempenhar, pessoas e estados, apenas o papel de espectadores passivos? Mas o que acontece quando a devastação é lenta ou é pequena demais para justificar um investimento em larga escala?

Bem, de acordo com a doutrina do shock, ela é gerada artificialmente pela ampliação de conflitos ou problemas miúdos, mesmo insignificantes, que na verdade são menores(ou não tanto). A formação de grandes capitais sempre teve a ver, direta ou indiretamente, com guerra  ou calamidades naturais. Porem, Estado e cidadania agiram com total falta de urgência num momento em que  seria totalmente justificado de seguir o que a China fez. Como na crise climática, evidências e previsões chinesas rapidamente adotadas e aperfeiçoadas pela Coreia do Sul -muitas delas publicadas em revistas científicas ocidentais- por algum motivo, não as levamos a sério e relutamos em agir e nos preparar com seriedade. Na Europa, en vez disso, existem proibições de estado à exportação de produtos-chave e, no caso de Espanha, suprimentos médicos destinados a hospitais locais são confiscados para serem enviados a Madrid. Mas uma vez perdeu-se o sentido de urgência: hai tempo para conta-las? Mídia catalã informan que as fábricas de máscaras entregaram a sua produção para a Guarda Civil, de acordo com o decreto que autoriza o governo espanhol a confiscar-las para a sua utilização. Referem-se não apenas a fábricas fora da Catalunha e confiscos no aeroporto, mas também a fábricas e fábricas catalãs de onde as máscaras tiveram que sair para os hospitais da contorna. O conselheiro galego Sanidade, Jesús Vázquez Almuiña, ja trasladou ao ministro Salvador Illa a sua “inquedanza pela falha deste material”.Mas não é o governo de Feijóo o campeão em reducir recursos da sanidade pública?

Desde a promulgação do Real Decreto 463/2020 pelo que se declarou o estado de alarme no Estado para a gestão da crise sanitária, é o Governo estatal o encarregado de “centralizar os stocks de produtos sanitarios”. Centralizar a distribuição significa que os fornecedores regulares de máscaras e géis desinfetantes deixaram de fornecer o equipamento diretamente para hospitais e centros de saúde, que agora esperam que cheguem de Madrid. Porém, já há dias os sanitarios e a gente reagiram com creatividade manufacturando máscaras. É o caso da Associação de Costureiros Elda-Pedrer, em Vinalopó, que costurou centenas de máscaras na casa para Hospital Universitário Geral de Elda. E a Associação de Mulheres Rurais da Vila Joiosa, que ofereceu costurar máscaras para o Hospital da Marina Baixa. Na Galiza, circula pelas redes um manual de como fazer uma mascarinha caseira. Os jornais digitais oferecem os seus emulando os  manuais de nasobucos cubanos. Sanitarias galegas denunciam a falta de EPIS (equipas de protecção individual) e ja se estão protegendo com roupa feita com sacos de plásticos e  de pintor. No Centro Saúde de Moaña están a organizarse como poden: plástico cedido polo Froiz, material mercado polos traballadores.

Como diz Hutton, países recorrendo à sua própria análise da crise em meio à escassezu localizada e a abordagens primitivas e aleatórias de contenção. Os padrões de isolamento, quarentena e rastreamento de contatos – em qualquera caso, abordagens medievais por parte do estado  para controle de doenças e costura e apoio mútuo por parte das pessoas.

Uma das características distintivas do primeiro redatado do declarado “estado de alarme” (excepción)  é que nem a informação foi compartilhada nem foi consensuada com as outras administrações quando da OMS foi avisado que ela deveria ser compartilhada e os planos coordenados. Outra das características é a rápida mobilização do exército que, além da dissuasão gerada pela mera visão de um corpo armado pelas ruas, também se adique ao confisco de máscaras e equipamentos sanitários ou a substituir a proteccion civil (desde que a militarizou Rodríguez Zapatero) e ao persoal de limpeza civil en tarefas de desinfecção que, se continuasse a trabalhar, seria pago e não precisaria ficar desempregado. São as conseqüências e paradoxos do pânico do «gobierno rotundamente progresista» a extrair a velha pulsão autoritária e centralista deste Estado. A falta de cautela  o fez entrar em pânico. Primeiro, permitindo que o vírus se espalhe sem contenção efetiva. Segundo, gerando desconfianza e, finalmente, justificando a declaração de um «estado de alarme» que acaba confiscando material de proteção na proximidade da urgência.

Eis o sintoma a ser considerado: a soberania despótica do estado prevalece. É o triunfo dos valores do nacionalismo de estado e do anti-Iluminismo em todo o mundo. A Europa finalmente quebrou antes de ser quebrada? Não é novidade dizer que poderia ter sido salva na coordenação e colaboração se a semente da confederação tivesse coalhado desde o cerne dos estados. A urgência da situação atual não deve de forma alguma servir de desculpa para aceitar os feitos, a falsa actividade inicial do governo espanhol  seguida de uma actividade neurótica trufada de apelos patrióticos e discursos reais que não podem esconder paus cegos por toda parte. O atraso na mobilização, o esquecimento do que estava acontecendo cos velhos nas casas de repouso e o fato de que, agás políticos e famosos, os testes obrigatórios nao foram praticados, o diz tudo. No entanto, desde o primeiros casos de surto de coronavírus o governo espanhol agiu com medo de que se agir com precaução sanitaria, baixar a produção e a economia, mas com mais temor de que a pesar daquela falta de observância sanitária, a economia baixar e suas consequências. A catástrofe total. En termos lacanianos, o sintoma: o virus coroado é a pura forma do Real, sem existencia simbólica mas o único que en realidade existe e contra a que toda a realidade está indefensa frente ao incubus.É verdade que somos todos vulneráveis, mas não da mesma maneira. Sánchez afirma que não respeita nenhuma fronteira nacional. Porém, recorre a uma resposta nacional atávica que contradiz os ditames da ciência e da razão.

Tedros Adhanom Ghebreyesus diz que »esta epidemia pode ser controlada, mas apenas com uma abordagem coletiva, coordenada e abrangente que articule o mecanismo completo dos governos” e acrescentamos,a mobilização local de pessoas fora do controle estatal, bem como uma coordenação e colaboração internacional forte e eficiente. De fato, a comunidade científica global contrasta e conversa mesmo que os líderes nacionais não. Um teste confiável foi estabelecido em poucos dias e a sequência do gene Covid-19 foi decodificada rapidamente. Protótipos de vacinas existem e em breve serão testados em seres humanos. Os tratamentos antivirais já estão sendo testados clinicamente. Existe um consenso emergente sobre os riscos de infecção, a taxa de mortalidade e a eficácia de diferentes estratégias de contenção. Porém,às vezes não sabemos o que queremos ou não queremos o que sabemos.

Talvez um dos fundamentos da esquerda que conhecemos seja o crescente reconhecimento de que nenhum indivíduo, por mais rico que tenha sido, mora e subsiste isolado das epidemias de doenças e cada vez menos também não podem evitar desastres naturais .Não há Nero para parar vírus, mesmo se houver cidadãos que optaran tomar uma pílula vermelha e descobrir que o mundo ao seu redor é uma construção totalmente falsa ou podem tomar uma pílula azul e acordar na cama, alegremente inconscientes de que tudo em suas vida é uma invenção. Acostumamos pensar que a globalização é a forma que a experimentamos, uma força irresistível que não pode ser parada. Fomos informados de que a gente e a nação – e a identidade coletiva, a democracia e a solidariedade que isso possibilita – devem estar subordinados aos estados-nação e estes á governança supranacional. Fomos informados de que é impossível moldar as forças do mercado internacional.

Observe-se, no entanto, os bens fundamentais da esquerda que agora estão ganhando destaque: saneamento e saúde pública, energia da água e imunização eram bens públicos necessários para a sobrevivência colectiva. Já sabemos que higienizar bem as mãos, por 20 segundos e várias vezes ao dia, é uma medida fundamental no combate ao Covid-19. O vírus já atinge grandes áreas povoadas onde não chega água encanada na torneira de casa, isso quando a água não chega insalubre, fruto da crise hídrica. Haverá mais pandemias e desastres que forçarão os governos a investir em instituições de saúde pública e a respeitar a ciência e o principio de precaução – com ações paralelas sobre a mudança climática, os oceanos, as finanças e a cibersegurança. Como não podemos prescindir da globalização, o imperativo será encontrar maneiras de gerenciá-la e governá-la abaixo-acima.

PS.Nas crises vê-se todo mais claro. Manhá será parecido com hoje, mas será primavera.Depois, as demissões.

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