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Europa, Opinião — 25 Abril, 2016 at 5:38 p.m.

Capitães de Abril, lendas de Maio

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2014-07-25 16.39.33Os da minha geração somos filhos de dois efemérides que vão escalonadas no calendário. O 25 de Abril português do 74 e o Maio francês do 68. Esses dois acontecimentos marcaram-nos política, moral e afetivamente. Embora no meu caso particular calou mais fundo “a revolução dos cravos”. Talvez porque a Paris cheguei quando já só ficava o borralho daquela comuna antiautoritaria que antecipou o nosso 15-M. E se calhar também porque naqueles dias precisos a aposta dos universitários madrilenhos com o recital de Raimon no campus da Complutense, nessas mesmas datas, era uma cita inevitável.

As lembranças da sinistra PEDE, o político-social de Oliveira Salazar. O sequestro em alta mar em 1961 do trasatlántico Santa María pelo capitão Henrique Galvão, e os membros do Diretório Revolucionário Ibério de Libertação (DRIL) para denunciar a situação dos presos nos cárceres portugueses. E o assassinato em 1965 em Villanueva del Fresno  do dirigente da oposição Humberto Delgado por sicarios de ambas as ditaduras, fizeram com que o 25 de Abril se visse como a premonição da rutura que podia acabar com o regime franquista. Por isso, depois do triunfo da “revolução dos cravos”, Perpignan deixou de ser o ponto de fuga de muitos espanhóis que queriam fugir da censura em favor de Lisboa. Embora neste caso não se cruzava a listra só pelo prazer do cartaz proibido na Espanha. Era a desculpa para conspirar e fazer-nos/fazê-nos a ilusão de que o fim de Franco estava ao alcance da mão.

Mas já sabemos como terminou tudo. Um pacto entre os líderes da esquerda (PSOE e PCE) com os neofranquistas selou a continuidade do regime na pessoa do rei Juan Carlos de Borbón, designado por Franco como sucessor na chefia do Estado. E assim Suárez, o secretário geral do Movimiento, o partido único da ditadura, resultou eleito presidente nas primeiras eleições “democráticas”; os militares que “bunkerizaron” aquela transição entregaram à população do Sahara Ocidental aos seus inimigos históricos, as tiranías de Marrocos e Mauritânia; e como “prova de vida” perseguiu, processou e encarcerou aos membros da União Militar Democrática (UMD), o grupo clandestino que conspiraba nos quartéis para repetir aqui a “revolução dos cravos”.

Por isso, o 25 de Abril continua a ser muito especial. Quantas vezes, na vila de Caldas de Rainha, imaginei às tropas do Comando Operativo do Continente (CPCON), ao comando do comandante Otelo Saraiva de Carvalho, a partir ao raiar do dia de madrugada do aquartelamento ao som do “Grándola vila morena/ Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti / ó cidade”. O ideal de “polis” que antes tinha desejado Maio do 68 e que três décadas depois tentaria o 15-M. A utopia intransferível.

O 25 de Abril não só foi uma revolução cheia de poesia e humanidade, isso levou à constatação de que todos nós carregamos um mundo novo em nossos corações que pode ser feito se abrirmos a mente Sapere aude! Constatei-o ao visitar a Saraiva de Carvallo na prisão militar de Tomar, onde sofria acusação de terrorismo. Fiquei impressionado com o seu espírito de bom, cultivado e digno homem, e a simplicidade com que contou como foram os líderes políticos que os cortejaram quem traiu a revolução cujos tanques foram parados nos semáforos quando entraram em Lisboa para cercar a sede da PIDE (cena real do filme “Capitães de Abril”).

Maio do 68 legou à memória o espírito lúdico da rebelião e um mundo de inesquecíveis grafitis. O 25 de Abril que, como disse Emma Godman, as únicas revoluções boas são as que permitem dançar.


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